amor encubado – ou só uma carta

a saudade de você as vezes também me mata um pouquinho. basta alguém lembrar de como você era quando eu já me esqueci. sinto vontade de deixar o relógio de ponta cabeça e aí vem a sua careca lisinha e os fiapinhos de cabelo grisalhos,  as coisas que pedia e dizia pra mim; vem a mão macia de moça com unhas para eu cortar, os óculos de grau com gordurinha do nariz, a sua bexiga solta, revistas pornográficas e todas as outras. a conta na banca de jornal em frente ao banco do brasil e tudo alí era meu. uma mesa de baralho, os milhoes de bilhetes da mega sena que você nunca conferiu e uma buzina tão autêntica que nunca mais ouvi. faz silêncio em mim.
eu não deveria, mas as vezes esqueço e faz tanto tempo. mas as suas cobertinhas ainda existem, das poucas coisas que ainda existem além da vontade de contar de tudo.  as televisões de trinta mil agora são acessíveis e nos já temos, eu tenho um computador como o do jô soares quando ele ainda era do sbt, pequenininho, do jeito que você achava bacana.  comecei a trabalhar também. mas não casei ainda, pai. isso deve demorar um tanto. também to enrolando para formar. você me conhece…
hoje em dia pra ouvir música a gente nem compra mais cd, celular faz tanta coisa que nem tem botão. os seus netos são umas figuras e a tia liana é vizinha. hoje em dia ela está sempre com a minha mãe. porque o tempo vai mudando as coisas de lugar e você de fato, nem faz mais parte, né? mas tem coisa que continua, tem coisa que vai e volta. lembra das minhas pulseiras de tachinhas? a moda voltou. mas você não. e sempre tá tão perto…
e os meninos… bem, eles continuam brigando até pela batata frita!
eu não penso em você o tempo todo mais não… porque aperta como o jeans que eu usava quando a gente dividia espaços. pensar demais em você não cabe em mim e vaza. gotas e sorrisos. mas doer, pai, dói não… meio que endureço para disfarçar e aparece sempre um monte de gente. todos os meus amigos, lembra? já não são mais e vieram outros. da ultima vez que nos vimos eu era tão feinha…
o calçadão de copacabana fica aqui na frente. existe supermercado 24 horas e a minha mãe não acha tudo tão caro não. eu tenho uma casa nova com piscina e ela que me deu. juro por você mortinho atrás da porta. você tinha razão: quando fosse de vez, nós teriamos tudo!  mas você nem sabe de nada. que dó!
a mãe do chico buarque morreu, mas a dona canô taí, vivinha e sendo homenageada pela bethânia em todo show. e ela fez um no evento de moda em que eu trabalhei. e vi, e fui vista, toda perua, pai.
você também nem me viu chegando em casa bêbada, nem sei se veria, mas veria sim. não deu tempo para brigar.  voce ficaria impressionado como eu puxei o jeito da minha mãe.
mas o mundo, pai… ah, boto defeito em tudo como você! voce perdeu, sabia? perdeu um tanto quando a gente inverteu os caminhos.

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